segunda-feira, 17 de maio de 2010

Ladrão de galinha

"Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e levaram para a delegacia.

- Que vida mansa, hein, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia!

- Não era pra mim não. Era pra vender.

- Pior! Venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!

- Mas eu vendia mais caro!

- Mais caro?!

- Espalhei o boato que a as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.

- Mas eram as mesmas galinhas, safado!

- Os ovos das minhas eu pintava.

- Que grande pilantra... (mas já havia um certo respeito no tom de voz do delegado). Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te pega...

- Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiro a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio.

- E o que você faz com o lucro do seu negócio?

- Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços.

O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou:

- Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?

- Trilionário. Sem contar o que eu sonego de imposto de renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.

- E com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?

- Às vezes. Sabe como é...

- Não sei não, excelência. Me explique.

- É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa: do risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão e isso é excitante. Como agora fui preso, finalmente vou pra cadeia. É uma experiência nova...

- O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso, não.

- Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!

- Sim. Mas primário, e com esses antecedentes..."

por Luis Fernando Veríssimo - Novas Comédias da Vida Privada

0 comentários:

Postar um comentário